LAHIRE, Bernard. SUCESSO ESCOLAR NOS MEIOS POPULARES – As razões do improvável. 1997, 367p.

Por MARIA CRISTINA DA SILVA GALVÃO

        A questão que motivou a pesquisa relatada no livro diz respeito à compreensão das diferenças secundárias entre famílias populares com renda e escolaridade aproximadas. O objetivo central do grupo foi tentar compreender como famílias, cujas características objetivas (situação profissional, lugar de moradia, grau de conhecimento do sistema escolar, número de filhos...) levariam a pensar que a escolaridade dos filhos poderia ser custosa, possuem crianças com boa e muito boa situação escolar.

        Entendendo que a família e a escola podem ser consideradas como redes de interdependência estruturadas por formas de relações sociais específicas, o "fracasso" e o "sucesso" escolares foram investigados através da construção de perfis de configurações sociais complexas. Estes perfis mostram as crianças no ponto de cruzamento de configurações familiares e do universo escolar.

        O corpo principal do livro é composto por "perfis familiares", feitos a partir de entrevistas com 26 famílias em suas casas e notas etnográficas. As notas etnográficas versam sobre cada um dos contextos das entrevistas, sobre as fichas com informações escolares, os cadernos de avaliação, as entrevistas nas escolas com cada uma das crianças, as entrevistas no começo e no final do ano escolar com os 7 professores envolvidos e entrevistas com quatro diretores de escola.

        O estudo reconstruiu, portanto, perfis de configurações sociais complexas para compreender como resultados e comportamentos escolares singulares só se explicam se levarmos em consideração uma situação de conjunto como interação de redes de interdependência (familiares e escolares), tramadas por formas de relações sociais mais ou menos harmoniosas ou contraditórias. Para descrição das configurações familiares, consideraram como pertinentes os seguintes temas: as formas familiares da cultura escrita, as condições e disposições econômicas, a ordem moral doméstica, as formas de autoridade familiar e as formas de investimento pedagógico.

        Acreditando que não é papel do sociólogo dizer o que é "fracasso" ou "sucesso" escolar, porque estas palavras são categorias produzidas pela própria instituição escolar, Bernard Lahire propõe algumas reflexões a partir desta pesquisa :

        1ª) O tema da omissão parental é um mito produzido pelos professores, que, ignorando as lógicas das configurações familiares, deduzem, a partir dos comportamentos e dos desempenhos escolares dos alunos, que os pais não se incomodam com os filhos.

        2ª) A presença objetiva de um capital cultural familiar só tem sentido se esse capital cultural for colocado em condições que tornem possível sua "transmissão". Ou seja: com capital cultural equivalente, dois contextos familiares podem produzir situações escolares muito diferentes na medida em que o rendimento escolar desses capitais culturais depende muito das configurações familiares do conjunto.

        3ª) O que o adulto julga "transmitir" nunca é exatamente aquilo que é recebido pelas crianças.

        4ª) A existência de um capital cultural familiar objetivado não implica a existência de membros da família que possuam o capital cultural incorporado adequado à sua apropriação. Um capital cultural objetivado não tem efeito imediato e mágico para a criança, se interações efetivas com ele não a mobilizarem.

        5ª) Famílias fracamente dotadas de capital escolar, ou que não o possuam de alguma forma, no entanto, através do diálogo ou da organização dos papéis domésticos, atribuir um lugar simbólico ou efetivo ao "escolar" ou à "criança letrada", no seio da configuração familiar.

        6ª) A análise dos perfis de configurações revela o peso da construção social das identidades de gênero na constituição das estruturas da personalidade e do comportamento dos filhos.

        7ª) As configurações familiares estudadas não constituem realidades homogêneas. Muitas crianças vivem em um espaço familiar de socialização com exigências variadas, em que princípios de socialização contraditórios se entrecuzam.

        Ao longo da leitura do livro, constatei que ao investigar crianças com realidades socioculturais semelhantes, mas com desempenhos e comportamentos escolares diversos, Lahire nos proporciona reflexões criteriosas sobre o sucesso e o fracasso escolar nas classes populares.